“Tomemos como ponto de partida que 5,5% = bla bla bla 63344529,345, mas 988445,004 ou 2221765,6456 mais 9,34%, onde 2,4% dessa diferença é superior ao valor de 8,76% do que o esperado, isto confirma que contudo, 5,5% é menor do que 6,1%, tal como a receita que tivemos é superior ao valor previsível que teríamos de 6,5% do total de receitas. Parece pois que os números conseguidos serão afinal a solução mais confortável do que qualquer outra que configurasse um óptimo resultado versus o resultado possível com o esforço de todos os portugueses, como aliás o governo tinha previsto.”
Eis o tipo de discurso, debate, discussão ou comentários a que temos tido direito nestes últimos dias. Números, percentagens, cálculos e mais cálculos, valores e outros artifícios analíticos para “épater le bourgeois”. Vivemos numa sociedade numérica e num tempo analítico, ambos dominados pelos números e sua imprecisão, um paradoxo que é real, porque nada melhor do que os números usados de forma matreira para enganar os mais incautos. Ressalve-se, portanto, que os algarismos e palavras atrás utilizados para introduzir esta análise, nada têm de real ou sustentável ou contêm qualquer mensagem, serviram apenas para ilustrar esta demagogia da precisão e inflexibilidade dos valores numéricos com que se pretende reger a vida das pessoas.
É sabido que quando nada mais há para sustentar uma tese, em termos de uma retórica bem fundamentada ou de uma dialéctica bem estruturada, o recurso a alguns algarismos, com a sua carga de valores absolutos e inquestionáveis, introduz sempre um efeito de respeitabilidade e segurança afirmativa, que impressiona e deixa os interlocutores num estado misto de dúvida e retracção, imediatamente aproveitado pelo orador para avançar rumo a novos desenvolvimentos da sua exposição, numa busca constante de novos e emaranhados argumentos que possam criar tempo, distância e espaço para consolidar o encantamento dos interlocutores ou plateias. Podemos também defini-lo com o canto da sereia, uma das mais usadas técnicas de levar as massas a aceitar os males que vêm por bem.
Esta técnica é bastamente usada pelos actuais governantes, que para além de viverem de ilusões matério-ideológicas, usam calculadoras e folhas Excel em vez de neurónios ou sentimentos. As pessoas, no seu universo, para além daquelas que lhes dizem afectivamente respeito, e mesmo assim duma forma super selectiva, são uma nuvem de seres que não têm dimensão individual e que, portanto, são tratadas como uma variável no seu pensamento calculista e analítico. Não existem, são! Tem que se entrar com elas em linha de conta, mas apenas para efeitos de cálculo, como uma valor residual que infelizmente afecta os resultados e a ponderabilidade dos seus cálculos.
Para este tipo de alienígenas da política, as pessoas só servem também como figuras de estilo para os seus discursos na baixa linguagem da demagogia e do populismo. Nesta área objectiva do seu esforço de comunicação vêem-se obrigados a usar, de tantas em tantas orações, a palavra “pessoa”, para poderem transmitir algum sinal criptográfico, entendível por essa nuvem individualista que lhes dificulta a resolução das equações com que respiram e nas quais se regeneram constantemente numa realimentação doentia de números e resultados, previsões e estatísticas. Se elas não existissem, a terra seria um paraíso, a economia um jogo da glória e o futuro, um paraíso fiscal onde todos viveriam moribundos, mas felizes, num mundo enfadonho mas cheio de dinheiro que para nada lhes serviria. No entanto, esse futuro ainda não chegou e por isso eles têm de gastar tempo e imaginação a empatar essa mole humana que constantemente os incomoda e perturba e para isso, os números dão um grande jeito.
Tudo isto seria, no entanto, despiciendo se os números, na sua função reguladora não tivessem impacto na vida das pessoas, mas têm, porque quem controla a economia e quem a serve, como vassalos de uma qualquer seita, os políticos, serve-se precisamente do impacto e do valor absoluto dos números para dominar os povos. Eu sei que quando se generalizam os políticos, há sempre aqueles que se sentem ofendidos e mal avaliados, mas eu explico, os políticos em geral, são mesmo aquilo que se diz deles. Depois há gente boa que exerce a política e essa merece ser respeitada, mas não se pode misturar com a grande maioria que em vez de exercer a política, se serve dela para ocultar o seu verdadeiro talento de gente de mau porte e pior consciência. Por isso, o termo “político” foi assaltado e usurpado por essa organização de malfeitores e gente sem honra, não podendo assim ser generalizado para aqueles que continuam a honrar a sua condição humana e a respeitar a de todos os outros, esses tais a que genericamente podemos chamar de “pessoas”. Mas em todos os quadrantes existem boas pessoas a exercer política, o que também não nos deve levar a diabolizar os partidos em geral, ou outras organizações políticas, deve-nos antes incitar a exigir dessas “boas pessoas” que honrem o exercício da cidadania e da política em geral. Todos não seremos demais para expurgar as ervas daninhas da comunidade.
Os números continuarão sempre a serem números, mas o que exigimos é que os números, sirvam as pessoas e não sejam as pessoas a servir os números para justificarem a alquimia que uns quantos maus políticos manipulam em laboratório, para serem eles os beneficiários desses mesmos números.
Por: Ernani Balsa
“escreve sem o acordo ortográfico”